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Louca/Estranha/Anormal/Distante/Fria/Egocêntrica E muitas outras mais... Autora de Angelus, Tokyo Revivers e A Cor da Lágrima, codinome: Horigome Namika

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

     O odor putrefato da madeira em decomposição misturado ao cheiro do pescado nos compartimentos conferia àquele ambiente restrito ainda mais sensação de indignidade. As duas garotas eram mais duas das várias pessoas que pagaram vinte moedas de prata cada uma para entrar clandestinamente no Império do Fogo. A água era escassa e comida, quando os viajantes não levavam a sua, eram forçados a pagar um preço exorbitante por um prato de mingau insosso ou um pedaço de pão velho. 
     - Pagamos quarenta pratas por isso? - reclamava Lena, sem parar durante aquela viagem que já ultrapassava as vinte e quatro horas. 
    Agatha preferia concentrar seus esforços escrevendo com uma caneta cor de cobre sua fina caligrafia num diário. Dizia ela a Lena que gostaria de registrar toda sua aventura.
    Mas num momento, um risco manchou sua letra. O navio, começou a balançar fulgazmente enquanto gritos de ordem eram ouvidos pelos passageiros clandestinos. Goteiras de água salgada misturada com a água doce da chuva caíam por sobre eles. As crianças se abraçaram com as mães e estas por sua vez acalentavam os filhos e arregalavam os olhos.
     Um marinheiro alto, forte e com a pele tostada pelo sol apreceu e com a voz autoritária recolheu todos os pertences dos passageiros.
    - Ei, espera aí - protestou Lena - Vocês não têm o direito de pegar as nossas coisas!
    - Se não esvaziarmos o navio, vamos morrer afogados!
    - Então deveriam esvaziar coisas inúteis!
    - Escuta aqui, dona! A senhora veio porque quis! Se acha arriscado, por que não viajou como as outras pessoas?? Vamos, me dê sua bagagem.
    Lena balançou os ombros negativamente. Na verdade, suas coisas estavam na bolsa de Agatha, que ela prudentemente escondeu atrás das costas, onde o marinheiro não poderia ver.
    
    Quando a tempestade passou, Lena acordara Agatha com um cutucão: haviam chegado. Agatha saiu do barco sonolenta rumo ao cais pobre. A madeira parecia ainda mais podre que a do navio, e rangia sob os pés das duas. 
    O que viu foi uma feira pobre, na certa formada por produtos contrabandeados, navios pequenos descarregando e o mesmo marinheiro do dia anterior entregando uma pequena saca de moedas de prata a um fiscal. 
    - Não olhe - recomendou Lena - Continue andando.
    As duas continuaram a caminhar até chegar numa espécie de estábulo. Lena entregou a um condutor uma moeda de prata e subiram numa charrete puxada por um estranho animal, do tamanho de um cavalo, mas coberto por escamas verdes, como um lagarto.
    - O que é isso? - perguntou a princesa.
    - Equidilianos. Um tipo de quimera. - respondeu Lena - Pensei em economizar mais um pouco. Podemos comer quando chegarmos lá, o que acha?
     Mas Agatha não prestou muita atenção. Olhava pela carroça a paisagem do Império do Fogo. No horizonte, vários montes formavam uma formação essencialmente cinza, como o chumbo.
     - O que é aquilo ali?
     - A Planície do Fogo. - respondeu Lena - Já li que lá tem mais de cem vulcões, a maioria ativo.
     - Se são ativos, por que as pessoas moram lá?
    - O Império do Fogo não os considera exatamente pessoas... Eles mandam pra lá imigrantes e pessoas pobres. E o pior é que eles nem conseguem se rebelar! O Imperador mandou construir a Vila Militar ao redor da Planície só pra coibir quaisquer manifestações...

    Três dias se passaram até que as viajantes chegaram a seu destino final. Era uma grande vila com casas suburbanas e elegantes. Essas casas variavam por rua sendo mais ou menos luxuosas mas todas muito confortáveis. 
    - Essas casas devem ser as dos tenentes, a patente oficial mais baixa. Se minha irmã se casou mesmo com esse homem, deve morar nessa rua.
     - E se ele foi promovido?
  Lena deu de ombros. Não havia pensado em tal possibilidade.
     - Por que simplesmente não perguntamos?
     Lena se preparou para pegar a amiga pelos ombros e lhe falar que aquilo era uma péssima ideia. Mas quando deu por si, a menina já havia se adiantado à casa mais próxima e batido na porta. 
     Foi atendida por uma velha baixa, gorda e desarrumada. Trajava apenas chinelos de pelúcia cor de rosa e uma rendinha no cabelo repleto de bobs. Parecia estar com sono pois nem olhou para Agatha.
      - Não vou comprar nada! - resmungou a velha, já fechando a porta. Só foi impedida pelo pé de Agatha que insistiu.
    - Por favor, senhora! 
    A velha olhou para o rosto de Agatha e como se tivesse visto uma coisa de outro mundo, arregalou os olhos. 
    - Cabelo Vermelho?
    Sua atitude mudara completamente. Acordou num instante e puxou a moça para dentro da casa.
   - Não repare a bagunça! Sente-se por favor! Eu não acredito! Uma parenta direta do Imperador em minha casa!
   Agatha abriu os braços para Lena, ainda do lado de fora, e as duas se entreolhavam estupefatas. Lena decidiu entrar e as duas se sentaram num confortável sofá de couro branco sintético. A anfitriã voltava da cozinha depois de bater levemente na empregada, uma mocinha miudinha.
   - Pedi um chá com biscoitos para a senhorita! Acredito que esteja com fome!
   A mulher adivinhara. De fato, Lena e Agatha não comiam decentemente há dias. 
   - O que a traz aqui? Já sei! Alfred recebeu uma promoção? Eu sabia, sabia que um dia o Imperador reconheceria o esforço do meu Alfred, que tem se mostrador tão leal ao nosso Império...
  - Na verdade, não minha senhora! Estamos procurando informações sobre uma pessoa, uma jovem estrangeira...
   - Então a senhorita é do Ministério da Imigração!?! Graças aos deuses que minhas cartas foram respondidas! Aquela mulher, do Reino da Água, uma depravada! Acredita que o marido, que hoje é capitão, um ótimo partido, sabe, a conheceu num prostíbulo! Isso mesmo, uma prostituta, uma mulher que vende seu corpo!
   - Um absurdo hein? - disse Lena, sarcasticamente - Uma mulher imoral no meio de tantas senhoras distintas!
   - É isso que eu acho, mocinha! Já escrevi inúmeras cartas pra tirarem essa mulher daqui! Uma prostituta, francamente, esses soldados, ainda bem que meu Alfred não se envolve com essa laia.
    - E a senhora sabe qual é a casa dessa moça?
    - Na Rua de Cima, a Rua dos Capitães, na casa azul, não tem erro, é a única da rua!
    - Bem, obrigada! - despediu-se Lena sorrindo falsamente - A senhora é uma cidadã exemplo dessa comunidade!
    As duas saíram polidamente da casa. A velha ainda ficou se vangloriando quando a empregada chegara com o chá.
    - Esperem, esperem! O chá!

   - Meu Deus! - desabafou Lena - Ela é um pesadelo! É claro que o marido tem meia dúzia de amantes, quem ia querer uma matraca como ela?
   - Deu pra ver que a sua irmã é bem popular por aqui, hein?
   Conforme a mulher disse, só havia uma casa azul naquela rua. Tinha dois pavimentos e um bonito jardim no lado de fora. Não era absurdamente grande, como as casas das ruas acima, mas mesmo assim, oferecia um grande conforto.
     As meninas bateram palmas em frente ao portão de ferro. 
   - Vocês tão atrás da mamãe? - disse um menininho de uns cinco anos, brincando com uma bola.
    Uma sombra apareceu por entre as persianas. Lena viu de relance uma imagem familiar. A sombra apenas pediu ao menino que entrasse antes de fechar a persiana. Quando Lena já adquirira um semblante frustrado, a porta se abriu. De dentro saiu uma mulher de vestido de renda branca e coque no cabelo. Tinha mais ou menos trinta anos e embora mais velha, inconfudivelmente era a irmã procurada.
    
    Em condições normais já teria retornado para o Palácio Imperial, mas queria dar tempo ao tempo e esperar que a derrota nas Geleiras não afetasse tanto o pai. Decidiu voltar apenas quando ficou insustentável não aparecer no Palácio, isso lhe dava a sensação de estar se escondendo do Imperador.
    Aquele definitivamente era o maior Palácio do mundo. Seu tamanho e luxo traduziam a qualquer visitante uma mensagem subliminar do Imperador do Fogo, a de que seu governo era sólido, firme, luxuoso, imponente e amedrontador. Amedrontador sim, seu tamanho significa aquilo até mesmo para Oliver Gardner, que se julgava valente.
    Entrou dentro do Palácio adornado com várias estátuas de ouro estrangeiro. No fundo, precedido por um comprimento notável, um trono que atingia o teto, adornado de vermelho e ouro, delimitado apenas por um grande dragão, em ouro maciço, que mirava o Imperador como se estivesse o adulando.
    Oliver se aproximou a ligeiros passos pelo mármore escuro. A cada dez passos, tinha um degrau e assim sucessivamente. Oliver se adiantou até ficar a dez passos do pai.
    Em frente ao trono, Oliver ajoelhou-se em uma almofada de veludo vinho. Abaixou a cabeça e apenas ouviu o pai falar.
     - Levante a cabeça, Oliver! 
    O Príncipe atendeu ao pedido prontamente. Os olhos do pai pareciam frios, como sempre.
    - O que aconteceu?
    - Os soldados do Reino Suspenso do Ar aparecerão de repente. Estavam em vantagem numérica e...
    - E por acaso, você tem alguma ideia do porquê disso?
    Oliver balançou a cabeça negativamente. 
    -Você sabe sim Oliver, eu sei que sabe. Se não soubesse, não teria jogado a Princesa do Reino Suspenso do Ar pelos céus.
    - Meu pai, eu...
    - Sim, Oliver, ela não é herdeira legítima do Trono do Ar... Ela tem o dom do Fogo, cabelos vermelhos... Ela voltou simplesmente para roubar o seu trono, como os pais dela tentaram fazer há quase vinte anos.
    Oliver levantou uma sobrancelha.
    - Tive que matá-los sim, Oliver. Do contrário, meu irmão e a esposa roubariam meu trono, o qual tenho direito. Fui misericordioso demais e deixei a criança viver... o resultado está aí agora.
    - Se é o seu desejo e para o bem do nosso Império... Eu a acharei e a matarei... Essa ursupadora de poder!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

      Sentiu-se um tremor. Mas não era a atmosfera criptante de guerra, nem os ventos gelados que cortavam aquela terra.
      Velas negras e bandeira flamejante. Assim surgira a fragata do Império do Fogo pelo frio oceano glacial, cuja proa só era possível ver um tripulante: Oliver Gardner. Rasgou o gelo como se rasga uma folha de papel.
     Pela rampa do navio, o Príncipe foi o primeiro a descer. Vestia sua armadura e não trazia à mão nenhuma arma, exceto um bastão. Os homens, seus comandados, estes sim, vinham armados até os dentes. E mesmo com a desordem dentro do quartel general, os soldados desciam calmamente, como se estivessem num desfile militar.
      - Matem a todos estes desordeiros! - ordenou Oliver - E eu mesmo quero cortar a cabeça do líder!
      
     Por debaixo da capa de tecido grosseiro, trajava as roupas brancas com lilás, o único indício de sua verdadeira natureza. Apesar dos inúmeros avisos, também fazia parte de sua personalidade misericordiosa ajudar os outros quando necessitavam de sua ajuda. E assim, Agatha Tess infiltrou-se entre os soldados, ajudando-os a invadir o Quartel.
    - Agatha! - gritou Lena Brown, a primeira a reconhecê-la - Não deveria estar aqui! Julian foi bem claro.
     Não precisou que Julian dissesse nada, afinal, ele apareceu logo depois, quando desviara de ataques dos soldados. O objetivo era próximo, só mais alguns metros, e eles chegaram à sala central, onde a vitória seria, enfim, decretada.
    - Chefe! - berrou um aliado. Entrara desesperado, chorando como se não estivessem à beira da vitória - Está tudo perdido chefe! O Príncipe chegou com a Marinha Imperial! Mais de mil homens.
    O sorriso transformou-se em uma momentânea desolação, que fora substituída por uma sede de luta. Julian passou por entre os aliados, disposto a ir lá fora e enfrentar ele mesmo, o maldoso Príncipe estrangeiro.

    Agatha saiu à francesa, antes que Lena ou Julian a repreendessem de estar ali. Ela, que não tinha grandes habilidades de luta, ajudava os soldados feridos, de forma a não deixá-los para trás. Nada ouvira da notícia de estarem os soldados inimigos lá. Mas também desceu ao exterior do quartel, pois a maioria dos soldados estava lá.
     O que viu não foi nada animador. Centenas de homens representando o Império do Fogo e dezenas de aliados seus, caídos no chão, ou muito feridos ou mortos. Talvez nenhum pensamento lhe passou pela cabeça, apenas saíra correndo, onde, num clareira formada pelas batalhas individuais travadas, a melhor delas se esboçava. De um lado, um soldado do Fogo com insígnias brilhantes em seu uniforme. Do outro, um rapaz cuja face era marcada por queimaduras e escoriações. Ao redor deles, cada homem travava sua batalha, deixando aquele espaço, uma outra dimensão entre os dois adversários.
     Quando a garota chegou, só pôde ver uma grande labareda de fogo saída das mãos do nobre e atingindo o tórax de Julian em cheio.
    - Julian! Julian! Fale comigo por favor! Julian!
    - Não adianta chorar, garota! - disse-lhe o oponente - Morrerá dentre poucas horas!
     Aquela voz. Não, não poderia ser. Tirara o capuz que envolvia-lhe o rosto, e quando olhou para ele, não foi com temor, como na última vez, mas com um misto de pena e raiva.
     Oliver pareceu também ficar surpreso. Olhava abismado para Agatha, não com medo, mas... com espanto.
     - Não pode ser! Não pode ser! - repetia Oliver com tanta enfâse, para acreditar - Como você está viva? Caiu do céu... e ainda vive?!?!
     Das mãos de Oliver saiu mais uma labareda, que Agatha apenas pôde desviar. A princesa rolou pelo chão, esbarrando num corpo de um soldado do Fogo, agonizando de dor. Levantou-se rapidamente e, unindo a ponta do indicador com o outro, conseguiu revidar, criando uma rajada de fogo mais forte ainda que a de Oliver. 
     Enquanto o Príncipe reagia embasbacado por ser emboscado por uma garota, Julian se levantou. Sacou a espada da bainha e tentou atacar Oliver, que bloqueou usando seu bastão.
     - Você não vai machucar a Princesa, Oliver! - ameaçou Julian - Se não, vou ter que tirar sua vida aqui mesmo!
     Julian empurrou com seu bastão o oponente que caíra mais uma vez. Agatha aproveitou a brecha para saltar e atingir Oliver com suas unhas.
    - Dizem que quando se mata alguém da família real, as almas atormentam nosso sono à noite! Será verdade?
      
     O ar mais uma vez tremulou. Fortes rajadas do vento frio invadiram o campo de batalha; renovou-se o espírito de luta dos guerreiros. Os cavalos brancos, alados e gigantes abriram espaço bem no combate. Era muitos, incontáveis, muito mais de mil. Os homens usavam roupas brancas e lilás com armadura ouro e prata. As mulheres, arqueiras, idem, e ainda usavam um capacete de um azul muito intenso.
   - Cabeças...de...ágata? - murmurava Agatha - Isso... Dimitri!!
   Montado num cavalo prateado, vinha o comandante daquela tropa: Dimitri Braus.
   -Tire suas mãos imundas da Princesa do Meu Reino, Oliver!
   Agatha foi atirada para trás. Caiu quase por cima de Julian, que ainda se arrastava.
   - Muita petulância sua, infante! - provocou Oliver.
   - Você perdeu Oliver! Entregue as Geleiras ao povo em paz e eu deixo que você volte pro seu navio com seus subordinados e seus mortos!
    - Jamais sem lutar!
   Oliver nem mesmo chegou a atacá-lo. O Prícipe foi arrastado pela multidão de soldados remanescentes e praticamente empurrado de volta ao navio. Ainda se ouviu gritos de advertência e ameças de punição vindos de Oliver, mas se tornavam distantes à medida em que a fragata de Velas Negras se afastava definitivamente das Geleiras.

   A madrugada foi dedicada para cuidar dos feridos, inclusive Julian, pois na manhã, os guerreiros do Ar seriam homenageados com um grande café da manhã.
   - Por que vocês vieram Dimitri? Como me acharam?
   - Vossa Majestade Sua Mãe estava muito preocupada com Vossa Alteza depois do ocorrido no Templo do Sul. Fui encarregado de achá-la.
   - Não quero voltar Dimitri, deixei isso bem claro pra mamãe.
    - Mas Vossa Majestade sequer pode dar as costas que Vossa Alteza decide fazer uma revolução nas Geleiras? Mais cedo informei à Vossa Majestade que estava pensando em ir à República da Terra. Continua com essa vontade?
    Agatha ficou pensativa. Tinha que cumprir sua promessa à Lena, mas se revelasse seus planos a Dimitri, com certeza ele a arrastaria de volta para casa. Confimou com um vacilante aceno.
   - Ótimo. A Rainha me pediu para entregar-lhe isso. É um pergaminho para ser entregue ao Rei da República da Terra,  Rei, não aos cônsules.
   A manhã nascera bela e brilhante, como nenhuma outra manhã. Aquela seria a primeira manhã das Geleiras livres do Império do Fogo.
    - Me perdoe Minha Princesa, por não ter te protegido! - desculpou-se Julian - Se algo tivesse acontecido com Sua Alteza, jamais teria me perdoado.
     Agatha desculpou-o com um breve sorriso.Terminara seu dever, agora era a hora de partir.
    - Coronel Braus, estou lisonjeado com sua ajuda! As Geleiras são infinitamente gratas ao Reino Suspenso do Ar.
    - Somos aliados! O Império do Fogo é nosso inimigo maior agora.

    Chegara a hora da despedida. Os soldados do Reino do Ar já haviam ido. Lena e Agatha, já arrumadas suas coisas, partiriam de navio para tentar entrar no Império do Fogo. Antes, no cais, a imagem do herói da revolução esperava por Agatha.
    - Eu lhe disse Minha Princesa! Que sua ajuda seria muito útil para a nossa causa.
    - Acho que eu que deveria lhe agradecer Julian. Graças a vocês, agora começo a entender o papel de uma Princesa.
     - Obrigado, Princesa...
   - Mas acho que você deveria pensar nisso também, afinal, já que conquistou a Geleira do Sul, nada mais justo que...
   - Não posso ser o Rei dessa Geleira, Princesa... A família real da Água ainda existe e mesmo assim... Os reis e rainhas descendem dos deuses Ar, Água, Fogo e Terra. Eu não tenho tal descendência!
   Agatha balançou a cabeça tristemente.
   - Mas se um dia... se eu unificar todo o Reino da Água novamente... queria ter Vossa Alteza ao meu lado.
    Julian se inclinou para alcançar os lábios rosados dela, mas a Princesa apenas deixou-lhe que beijasse seu rosto.
    - Não espere por uma Princesa Amaldiçoada!

   O navio mercante partiu levando duas jovens clandestinas rumo ao Império do Fogo. Mas não iriam lá para conseguir esmolas dos cidadãos, mas sim para cumprir uma promessa.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010



       Não era bonito. Embora em seu rosto transparecesse o fulgor da juventude, às vistas comuns não seria considerado bonito. Não... Mentira. Talvez algum dia tenha sido bonito, nos dias em que sua nação não era submetida aos poderes estrangeiros. Quantas escoriações, quantas queimaduras causadas pelos usuários do Fogo, quanta humilhação teria ainda de suportar? Era a primeira vez que Agatha Tess o via como uma pessoa e não como inimigo.
  - Hoje é o meu dia de sorte, Alteza! - dizia o rapaz - Com Vossa Alteza ao nosso lado, tenho certeza da nossa vitória!
  - Me perdoe Julian, mas até agora não entendi no que eu posso ser útil! Não sou guerreira, quer dizer... aprendi um pouco de artes marciais no Palácio para fins defensivos...
   - A senhorita vai compreender! - Julian juntou suas mãos às dele - Sua simples presença já é o suficiente para dar esperança aos nossos soldados!
   
   Há anos as Geleiras eram dominadas pelo Império do Fogo. Eles forçavam o povo a pagar altos tributos e não faziam nada em troca: a população não tinha saúde, educação, alimentação, segurança... nada. Mas alguns começaram a lutar, e foram expurgados de sua própria terra, formando assim a Cidade Oculta da Montanha. 
   - Tem certeza de que quer ficar, Lena? - perguntava à amiga enquanto as duas ajudavam nos preparativos.
   - Meu pai não me perdoaria se eu deixasse de ajudar nossos compatriotas! Se pudermos fazer algo, nem que for só um pouquinho...
  Lena tinha razão. Precisava ajudar, nem que fosse apenas com suas palavras. Era parte de seu dever como Princesa, mesmo que aqueles não fossem seus súditos.
   
  Todos se reuniram na noite que antecedia a rebelião. Julian, ao centro, era o que explicava todo o plano num pequeno mapa.
 - Depois do anoitecer, o grupo A entrará pelos túneis e evacuar a população. Mandarão um sinal e é aí que nós entramos... Atacamos com todas as nossas forças o quartel-general do Império do Fogo! E não se esqueçam! As casas evacuadas deverão ter uma cruz branca na porta!
   Todo mundo estava se empenhando para vencer o Império do Fogo. Até mesmo Lena treinava arduamente seu arco e flecha.
  - Não sabia que era uma arqueira tão boa!
  - Às vezes eu pescava com arpão com o meu pai. Mas quando os peixes começaram a ficar podres, eu e minha irmã costumávamos caçar nas montanhas.
   Agatha apenas balançou a cabeça. Vira o esforço de todos, se  sentiu semi-inútil.
  - Não pense que não cumpriu sua parte Agatha! Olhe para essas pessoas! Elas estão felizes de terem a Princesa do Reino Suspenso do Ar ao seu lado! 
    - Eu queria ser mais útil! Lutar também!
  - Eu acho que você ainda não compreendeu o seu papel como Princesa... A lenda nos ensinou que vocês da realeza são os próprios filhos dos deuses! É por isso que ter a família real ao lado do povo é tão importante!

 Ao pôr-do-sol, Julian reuniu todos no hall principal da Cidade Oculta da Montanha. Agatha estava ao seu lado, vestindo vestes reais cor lilás e a tiara de princesa. Quando Julian terminou seu discurso, pegou cuidadosamente na mão da princesa, convidando-a a dar umas palavras.
  - Eu nunca fiz um discurso na vida Julian, nem sei o que falar - cochichava 
   - Apenas fale o que está em seu coração. 
   A princesa pôs-se de pé. Não era uma população maior que a do Reino Suspenso, onde sempre via sua mãe discursar com segurança. Agora era ela que estava ali, em pé, olhando para cada rosto apreensivo.
   - Bem, eu... eu - Agatha balbuciava e olhava para Lena e Julian, os olhos gritando por socorro - Eu me sinto honrada por estar aqui hoje com vocês. Faz algum tempo que saí do Palácio Real e... Bem, quis conhecer o meu povo... E pelo que constatei, embora o nosso reino ainda tenha certa prosperidade, é que o Império do Fogo está... A guerra que o Império do Fogo está nos imprimindo... Estamos perdendo prosperidade com a guerra. E aqui no Reino da Água, nem sequer a família real luta ao lado de seu povo contra a opressão. Simplesmente o povo da Água foi abandonado à sua própria sorte. E isso não é justo. E é por isso que estão lutando. Estão lutando pela sua pátria e contra a humilhação de seus conterrâneos. Podem ter certeza que os ventos levarão seus nomes para os quatro cantos do mundo e serão conhecidos, seja qual for o resultado, como o povo que desafio o Fogo! Embora eu tenha maior esperança de que serão Aqueles que derrotaram o Fogo!!!
  Agatha fechou seus olhos e quando os abriu, viu um povo vibrante, sacudindo os braços no ar e urrando de tanta felicidade.

   O plano de Julian saiu conforme o esperado. A população da Capital do Gelo, como era conhecida a capital das Geleiras, fora evacuada rumo à Cidade das Montanhas. Só faltava o Quartel a ser invadido. Mas aí do oceano Glacial Sul surgiu um navio de velas negras que tremulavam por causa dos ventos gelados. À frente, trazendo mais de mil homens, estava o Príncipe do Império do Fogo, Oliver Gardner.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

          Segundo os cálculos de Agatha, as moças já andavam há quase 24 horas, com apenas uma pequena parada na madrugada fria para descansar. Mesmo não tendo sol, os dias na Geleira eram incrivelmente frios, a neve teimava em cair, o que tornava a caminhada ainda mais desgastante.
        - Trocaria todos os meus sapatos agora por um cavalo ou uma charrete - resmungou a jovem princesa - Ei, Lena! Não podemos parar e descansar um pouco! Não estou acostumada a andar tanto assim... 
        - Não podemos parar agora! Tá vendo aquelas duas montanhas? - Lena apontou para duas e não muito distantes montanhas formadas quase exclusivamente por gelo - O menor caminho é por lá! Porém, precisamos chegar lá antes do anoi...
       Lena paralisou pelo barulho de seu estômago. Reconhecera que a princesa tinha razão:
          - O que você trouxe pra comer?

             O sol já se punha quando as garotas resolveram levantar acampamento e andar em direção à montanha. Segundo Lena, era perigoso andar lá durante a noite, já que no vão aonde andariam tinham ladrões. O perigo? E se as roubassem? Ou pior. Se descobrissem que Agatha era uma princesa? 
        As duas continuavam avançando pela escuridão formada pela sombra das montanhas. Agatha começara a se arrepender do descanso. Ou talvez fosse melhor acampar aos pés da montanha e esperar amanhecer... Mas aí perderiam mais um dia e possivelmente não teriam comida o suficiente.
         Um barulho de algo se movendo aos seus pés foi o bastante para fazer com que Agatha desse um salto de horror desesperado. Respirou aliviada. Era um rato ou um lagarto.
        - O que foi Agatha? - perguntou Lena
        - Nada nã... - a voz da princesa foi tampada por um homem corpulento. Lena também não teve muito tempo de reagir, foi imobilizada por um outro homem. Da penumbra, surgia um rapaz, não muito mais velhos que elas, e sorrindo satisfatoriamente, como se tivesse pego duas valiosas presas.
         
         Agatha, quando acordou, encontrava-se em uma cabana, feita de pedra e iluminada por candelabros. Lá dentro, a decoração era rústica, mas o ambiente era limpo.
      A princesa se virou e reagiu negativamente ao ver a imagem de seu inimigo. 
             - Não vou te machucar! Pelo menos não agora!
        - O que você quer? Cadê a Lena?
        - Sua amiga é um pouco arredia. Acho que ela está agora divertindo os rapazes.
         Agatha abriu passagem. A cabana parecia uma espécie de apartamento e lá embaixo, uma roda de homens empurrava Lena de um lado a outro.
         - Faça-os parar! - Agatha gritou.
         O jovem apenas olhou do alto e mandou-os parar com um aceno. Em seguida, puxou o braço da princesa e a arrastou de volta aos aposentos.
         - Cabelos vermelhos! Então você é da Família Real do Fogo?
         - O quêêêêêêêê? 
         - Além de ser da Família do Fogo ainda tem coragem de roubar uma soberana da família do Ar...
         - Eu não sou uma ladra! Sou a Princesa Agatha Tess do Reino Suspenso do Ar! 
         Agatha desejou não ter falado aquilo. Mas por outro lado, não teve escolha. Seria muito pro seu orgulho ser confundida com uma ladra.
         O rapaz prostrou-se ante a princesa. Beijou sua mão e se apresentou.
         - Muito prazer em conhecê-la, Princesa Agatha Tess do Reino Suspenso do Ar! Eu sou Julian, da Cidade Oculta da Montanha!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Cap. 7 Partida

         Agatha já estava no seu segundo prato de mingau de aveia. Segundo Lena Brown, a mulher que a salvara, estava há três dias desacordada. Era-lhe grata, afinal, as escoriações de seu corpo causadas pela queda já estavam quase sarando.
      - Quem é você? De verdade?
     - Acho melhor você não saber, Lena! - Agatha fugira da pergunta - Pode trazer problemas pra você.
     Agatha analisou mais uma vez a casa. Era a menos pior do que as que sua vista pela janela pôde notar, mas mesmo assim, não passava de um pequeno e sujo casebre. O pai, pescador, já começava a dar sinais de perda da sanidade e constantemente resmungava de sua má sorte, dos deuses, da família real da Água, do Exército do Império do Fogo... A casa só conhecia a limpeza quando a filha voltava do trabalho, no lado leste das Geleiras. No mais, exalava aquele terrível e já permanente odor de peixe. 
     - Acaso está fugindo, Alteza? - perguntou Lena, de sopetão. Agatha paralisou a colher de mingau no ar, estupefata.
     - Por que mexeu nas minhas coisas Lena? Eu não permito que você faça isso, entendeu?
      Lena entendeu que agira errado. Levantou-se da mesa e prostrou-se ante a princesa.
      Agatha também se levantou. Mas aquele gesto, que deveria ser algo comum a uma Princesa, era  algo que lhe incomodava profundamente.
       - Levante-se Lena, por favor!
     - Se prefere assim, Vossa Alteza! - Lena se levantou humildemente, mas ainda continuava com a cabeça baixa.
        - Perdoe-me Lena, eu... eu me expressei muito mal. Na verdade, eu não queria que ninguém soubesse da minha existência por aqui.
     - E por que não Alteza? Vosso Reino é famoso no mundo por ser justo e por combater o Exército do Fogo.
    - Lena, por favor... me chame apenas de Agatha. Saí do palácio justamente por isso. Cansei de ser uma princesa inútil que nem ao menos conhece seu povo! E o povo que por sua vez nem conhece sua própria Princesa! 
     - Imagino que deve ser um choque de realidade, Alte... Agatha!
      Agatha olhou com pena para toda aquela pobreza. O Reino da Água sucumbiu graças à incompetência da Família Real. E se ela fosse incompetente também? Deixaria seu povo sofrer sob as mãos do Imperador do Fogo.
      - Ao menos sabe pra onde vai? - perguntou Lena à Agatha - quando esta já arrumava a bolsa de viagem.
      - Não faço ideia...

      - Avisou seu pai que deixaria a Vila?
      - Deixei um bilhete... Mas creio que ele não tomará partido nisso.
       Agatha olhou com tristeza. Sabia que o sr. Brown estava doente e aos poucos perderia sua sanidade. Lena pareceu adivinhar os pensamentos dela.
        - Há muito precisava sair da Vila da Cascata, mas não tive coragem de fazer isso! - justificou Lena - Meu pai está muito doente, perde o juízo aos poucos... É por isso que eu preciso estudar! Tenho que entrar numa Universidade e ser uma médica.
        A Vila da Cascata... A família Brown... O Reino da Água...  O abandono de tudo. O Reino sucumbira pela covardia de seus governantes. O povo abandonado, entregue à própria sorte. E Lena Brown... a mulher mais inteligente daquela vila, se esforçando pra que se, não conseguindo salvar a vida do pai, ao menos salvar a vida daquele povo inocente, que pagava todo o preço pela ingerência da elite.
     - Mas antes de tentar entrar na Universidade... Preciso fazer uma coisa...
      Lena contou à Princesa a história de sua família. Quando a irmã, Angeline, partira, o pai teve razão. Ela partira da Vila para se tornar uma prostituta nos acampamentos do Exército. Mas não por muito tempo.
       - Ela me escreveu contando que havia conhecido um tenente do Exército e que se casaria com ele. Meu pai, é claro, ficou com mais raiva da minha irmã. Eu recebi mais duas ou três cartas dela, antes do papai descobrir e queimar todas as cartas que eu recebia dela.
        Então a meta de Lena era encontrar a irmã. O motivo era óbvio. Ao pai não restaria muito tempo de vida, pelo menos unir a família era um direito dele.
        Agatha se sentiu no dever de ajudá-la. Afinal, Lena salvara-lhe a vida, nada mais justo que dar a ela um pouco de felicidade.
         
        As duas jovens partiram ao pôr-do-sol sob desejos de boa sorte da Vila. Toda aquela vila apostava no sucesso daquela menina, e colocava sob suas mãos, vidas que poderiam ter sido salvas.

      A sede do Reino Suspenso do Ar ficava no alto daquelas nuvens brancas e fofas. Erguia-se majestoso como um obelisco cristalino nos céus cercado de campos verdejantes apoiado nas nuvens. 
       O garoto de cabelos arroxeados se aproximava do Palácio das Nuvens com passos firmes e determinados. Ao chegar no Salão Real, cumprimentou a Soberana, às voltas com montes de papéis.
        - Majestade... - anunciou-se.
        - Ah, Dimitri, que bom te ver!
      - Igualmente Majestade! - retribuiu o garoto - Lamento não ter vindo antes, estava em missão no leste.
      - O assunto que te traz aqui é extremamente... preocupante.
         Dimitri Braus franziu a testa. 
        -  Registramos um atentado no Templo das Nuvens do Sul. E... e... bem... - sua voz perdeu o imponente tom, assumindo um tom maternalmente preocupado - Agatha não dá notícias há dias... Eu temo... temo...
         - Não tema, Minha Rainha! - tranquilizou-a Dimitri - Apenas me forneça alguns homens, que procuraremos Agatha até o fim do mundo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

            Nos tempos em que a família real do Reino da Água governava com justiça, as terras ao extremo sul e norte conhecidas como Geleiras, era próspera e seus habitantes não passavam por quaisquer necessidades.
           Se a terra era só gelo, as montanhas garantiam ao povo terras fertéis durante todo o ano. Nelas eram produzidos uva para vinhos, pêra, maçã, framboesa, batata, além de pasto para ovelhas e cabras.
           Mas o que mais pesava na economia das Geleiras era mesmo o pescado. Considerado o melhor do mundo, ele lhe valia uma balança comercial positiva.
          O povo viveu feliz por muitos anos, mas quando a família real trocou seu povo por seu próprio conforto, as culturas perderam qualidade, e o pescado cada vez mais escasso. E como se isso não bastasse, os soldados do Império do Fogo ainda humilhavam os aldeões e exigiam o que não tinham. Com o passar dos tempos, os velhos adoeceram; as crianças foram forçadas a trabalhar; os rapazes, em busca de alguma condição de vida, se alistavam no Exército do Império do Fogo e morriam nas guerras; as moças ganhavam alguns trocados oferecendo seus corpos aos viajantes e soldados estrangeiros.
           Diziam ser as ilhas do Reino da Água o lugar dos degredados, esquecidos e desgraçados. Na família Brown não era diferente. Depois de anos definhando, a enferma mãe finalmente teve suas dores encerradas. Deixou o marido, pescador, e duas filhas.
          - Pra que você tá chorando? - perguntava a irmã mais velha, Angeline, irritada - Todos morrem um dia!
         - Não fale assim com sua irmã - repreendeu o pai - Até parece que está insensível à morte da mãe!
          - Insensível eu? - retrucou Angeline - Mamãe ficou doente e por sua culpa que não põe comida em casa!!
          O pai deu-lhe uma bofetada na cara. Lena, a mais nova, chorou ainda mais.
          - Não vou ficar enterrada nesse fim de mundo! 
        - Quer virar a prostituta deles? É isso o que você quer? Vender sua honra aos soldados?
         - Antes uma prostituta do Império do Fogo, que uma mendiga do Reino da Água.
         Fora a última vez que Lena Brown vira a irmã. E segundo o pai, nunca mais tornaria a vê-la.
         
          Alguns anos se passaram e a situação na Vila da Cascata só fazia piorar. Ninguém permanecia lá, pois não era uma Vila com muitos recursos. Quase não havia lavoura, e o pescado era de péssima qualidade. Os jovens que não se dedicavam a estudar nas péssimas escolas locais, partiam para o território do Império do Fogo, no lado oriental das Geleiras, para terem subempregos e ajudarem as famílias do outro lado. Os que estudavam eram raros, e se queriam cursar uma Universidade teriam que se aventurar nas Universidades estrangeiras.
           Lena Brown era talvez a aluna mais inteligente da Vila da Cascata. Como era uma das poucas que sabia ler, escrever e contar, trabalhava para o governo provincial, que na teoria ainda pertencia ao Reino da Água mas na prática não passava de uma filial do Império do Fogo. 
            Voltava para casa, como todos os finais de semana, a fim de ver seu pai, que ainda insistia em pescar os peixes podres da Geleira. Não era rica, mas o salário garantia a ela e ao pai uma condição de vida superior ao dos vizinhos. Parou para beber água num riacho, quando viu uma jovem de vestes brancas e lilás inanimada sob às margens.
           - Meu Deus! - exclamou Lena.
            
            Agatha Tess abriu os olhos depois de muito tempo. Não portava as jóias reais, nem o turbante que escondia os cabelos vermelhos. Suas roupas foram trocadas por roupas de tecido grosseiro, mas limpos. Não estava mais no templo, é claro, o cenário ao redor parecia um casebre muito pobre. 
           - Tudo bem! - disse uma jovem de cabelos muito castanhos e olhos amendoados - Você está segura agora!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

           Milhares de garotas, segundo a mãe, invejavam a vida que Agatha Tess tinha. Um palácio gigante, um quarto cheio de luxos, guarda-costas, roupas e jóias fabulosas... Mas Agatha não se julgava mais que uma simples princesa confinada em seu palácio. Os poucos dias que saía era simplesmente para ficar ao lado da Rainha enquanto discursava. E só.
       Nunca usava a tiara real. Apenas um turbante para esconder seus belos cabelos vermelhos. Aqueles cabelos vermelhos... eles eram o motivo para que a Princesa vivesse reclusa no Palácio.

       Tinha apenas seis anos e se preparava para deixar os estudos particulares do palácio para ingressar na Escola Regular. Conhecer crianças... pessoas novas! Ter amigos que não a chamassem de Vossa Alteza. 
        Suas expectativas foram frustradas logo ao chegar na sala de aula. As crianças a olhavam com perplexidade e até com um pouco de receio. Agatha não se importou, afinal, era a primeira vez que elas viam a Princesa do Reino Suspenso do Ar tão te perto.
       -Oi - saudou a garota, animada. Mas não recebeu nenhuma resposta enquanto a professora não olhou com a cara feia para os alunos.
       Seus dias escolares, para a sua frustração, pareciam piores que suas aulas no Castelo. As crianças, os professores, todos a olhavam com a cara mais esquisita do mundo e tentavam se distanciar o máximo dela, embora Agatha estivesse se esforçando para ser o mais gentil possível.
           Depois de dois anos sendo apenas tolerada, a princesa enfim, começava a se integrar e  a conhecer pessoas diferentes. A primeira, exatamente, não seria uma pessoa diferente, e sim, seu primo distante, Dimitri, quatro anos mais velho que ela.
            - Parece que finalmente as pessoas começam a me aceitar nessa escola - desabafava a princesa.
             - Não fique tão preocupada, Agatha, as pessoas não estão tão acostumadas a ter a Princesa de seu país como colegas de sala!
           - Não é isso Dimitri! Ainda sinto que tem pessoas que não gostam de mim de verdade.
         Agatha se referia a Clara Duboc, que estudava com ela desde o primeiro ano. Clara sempre a tratava com desdém e parecia incentivar as pessoas a se distanciarem de Agatha. A princesa, é lógico, teve essa certeza e foi tirar satisfações com ela.
        - Qual o seu problema comigo? O que eu fiz pra você? - perguntava a princesa.
        - Só não quero você perto de mim! Você dá agouro!
        - Eu??? 
      - As pessoas tem de ficar longe de você, Princesa Amaldiçoada!!
        Agatha não soube explicar o que aconteceu. Apenas que depois de ser ofendida, a colega fora arremessada a alguns metros e seu cabelo chamuscado.
        - Princesa Amaldiçoada! Princesa Amaldiçoada!! - ela chorava - Símbolo do Fogo! Fogo!

        Só depois desse dia que Agatha soube qual era o real motivo de ser chamada de Princesa Amaldiçoada. Conforme Dimitri lhe disse mais tarde, a família real era distinta dos demais pela cor do cabelo, e o da família do Ar era de cor roxa. Além disso, ter dons de fogo não era comum para uma descendente direta do Deus Ar.
        Foi por causa de seus cabelos que ela saíra da escola e terminou seus estudos no Palácio. Agora, aos 18 anos, estava pronta para ir à Universidade. Ou não...
        - Mamãe, não quero ir pra Universidade - contou Agatha à Rainha Amélia.
        - Mas que besteira é essa, minha filha? Como assim você não deseja ir pra Universidade! É uma princesa, tem que se preparar pra um dia ser uma Rainha!
        - Não quero mamãe! Como serei uma Rainha se não conheço o meu povo? Ou pior: se pensam que eu sou uma Princesa Amaldiçoada?
        - Agatha, já conversamos sobre isso, filha... Não há nada de Princesa Amaldiçoada, tudo isso é lenda!
        - Lenda ou não, mamãe, mas por toda a vida vivi confinada nesse palácio! Preciso conhecer o meu povo e sozinha!
        Amélia não teve outra escolha a não ser deixá-la ir. Afinal, de certa forma, ela entendia a filha. Também ganhara o trono de uma hora para outra e foi obrigada a amadurecer para se tornar uma boa Rainha. Não queria que Agatha herdasse o Reino sob as mesmas circunstâncias. Ela estava ficando velha, suscetível a doenças... e se morresse? Sua filha teria que passar pelo que ela passara também?

        Dos dez dias que a Princesa percorreu todo o Reino do Ar, pôde constatar que nas regiões mais afastadas o povo ainda vivia isolado. Alguns até não sabiam quem era o Rei ou Rainha. Agatha percebeu como fora ignorante! Como cometera erros! Aquelas pessoas também eram parte de seu povo, a quem ela deveria proteger! Mas era uma princesa inútil e impotente que nem tinha mesmo o Dom do Ar.
        - Se procura pelo Dom do Ar, precisa ir a um dos Templos das Nuvens. Há um em cada parte do mundo, mas você precisa ter cuidado com o Império do Fogo!
        Agatha decidiu ir a um desses Templos. Precisava aprender o Dom do Ar de maneira mais rápida possível.
        - Qual o Templo mais próximo daqui?
        - O mais próximo daqui é o do Sul, acima das Geleiras. Mas cuidado! Nas geleiras do Sul tem tropas do Império do Fogo!

        Agatha rumou ao Templo do Sul. Estava abandonado há muito, exceto por um monge que persistia em cuidar de um enorme templo sozinho. 
        - Estranho! - disse o monge - A senhorita ser da família real e não possuir o Dom do Ar!
       Agatha sentiu um tremor no Templo. Terremoto? Não era possível, estavam nas nuvens! 
        - Proteja-se princesa! O exército do Fogo! 
        Agatha escondeu-se atrás de uma estátua do Deus do Ar. 
        - Entregue o Templo, monge! - ordenou uma voz masculina, grave. Agatha observou com o canto de olho. Era um soldado vestindo trajes vermelhos, jovem, e de cabelos vermelhos.
       - Príncipe Oliver, não profane o Templo do Deus Ar! - advertiu o monge.
        - Pro inferno com seu Deus! - e dizendo isso, o jovem sacou sua espada e decepou a cabeça de pedra da estátua do Deus Ar. - Entregue-me as chaves do Templo!
        O monge escondeu a chave em suas vestes. O jovem soldado, irritado, mandou seus homens pegarem o que quiserem do templo.
        - Não faça isso, Príncipe Oliver! Não desafie os deuses!
      - Pois avise pessoalmente ao Seu Deus que Oliver Gardner, Príncipe do Império do Fogo, não teme a nenhum Deus! - Oliver sacou mais uma vez sua espada e decepou a cabeça do monge, que rolou até perto da princesa. Ela não se conteve e soltou um grito de horror.
       - Ora, ora, ora! Sobrou uma sacerdotisa?
       - Seu monstro! Como pode não respeitar a crença dos outros?
       - Garota tola!
       - O senhor desrespeitou um acordo! Eu, como Princesa do...
        - Princesa? Então você é uma princesa!! - Oliver retirou o turbante da princesa, revelando seus cabelos vermelhos. - Cabelos vermelhos?
        Oliver atacou a princesa com o Dom do Fogo. Ela não pôde fazer nada a não ser fechar os olhos.
        - Princesa do Ar com Dom do Fogo?
        Agatha abriu os olhos. Não estava morta e sim, vira Oliver com parte da vestimenta chamuscada.
        
        A Princesa desfaleceu com o Dom do Fogo. Oliver a carregou nos braços até chegar na beira do Templo.
        - Preciso me livrar de você, princesinha! Se não ainda vai me trazer problemas! - e dizendo isso, soltou o corpo inerte de Agatha no ar. Se ela caísse em terra ou mar, não importava, estavam no céu, e daquela altura, nem a descendente de Ar sobreviveria.

                     

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

            - Agora já chega, Agatha, hora de dormir!- aconselhou a rainha, depois que fechara o livro de estórias.
           - Mas mamãe! - argumentou a princesa - Você ainda não explicou o que aconteceu com a Luz e o Sol! E os filhos deles? Por que eram monstros?
            - Amanhã eu explico, meu bem! - a mãe se despediu com um beijo na testa - Agora trate de dormir!
          - Aff! - resmungou Agatha - Se fosse o papai, teria explicado tudo direitinho!

           A Rainha se despediu da filha, uma garotinha linda e esperta de apenas três anos e voltara para o hall principal, onde os conselheiros esperavam-na ansiosamente.
           - Boa noite, senhores! - saudou - A princesa demorou a dormir!
          Dormir. Era uma coisa que não fazia há muito tempo, principalmente depois que seu marido assumiu o controle do Exército Real pessoalmente. Ter uma boa noite de sono durante aquela guerra, que já durava quase quatro anos, era um privilégio que apenas as crianças tinham.
           - A guerra está fugindo ao nosso controle, Vossa Majestade! - opinou um dos conselheiros - Devemos assinar um Acordo de Paz logo com o Império do Fogo antes que percamos ainda mais territórios e mais soldados!
          - Assinar um acordo com Ivan? - discordou outro - De maneira alguma! Ele quer em troca de nossa rendição regiões ricas em minérios! Isso seria um desastre para nossa economia!
             - Desastre econômico teremos se não encerrarmos a Guerra imediatamente! Armamentos, comida, montaria... Tudo isso custa demais aos cofres do Reino do Ar! 
             - Então devemos firmar uma aliança com o País da Terra! O Rei é justo e também está sendo ameaçado por Ivan! O que acha, Majestade.
            - Devemos esperar Victor voltar para tomar qualquer decisão! - concluiu a Rainha, absorta nas discussões. - A reunião está encerrada.
            
            - Tudo isso é peso demais nas suas costas - disse Thales, um de seus fiéis seguidores quando a Rainha repousava na sala de estar real - É uma guerra e nunca esteve preparada para assumir o trono sob essas circunstâncias.
             - Eu sei, Thales, mas não sinto nenhuma segurança enquanto Victor não voltar.
             - Meu primo voltará, Amélia, ele com certeza voltará.
            Amélia se preocupou se a sua falta de experiência e segurança transpareceriam aos conselheiros e pior, ao povo. Simplesmente não sabia como agir. O reino foi-lhe dado sem a menor cerimônia, ou preparação. Era uma Rainha tola e ignorante que se deixava levar pela decisão de seus conselheiros. 
            
             A Rainha olhava aquele acordo com o País da Terra com a maior satisfação. Com as tropas unidas, conseguiriam frear as pretensões de Ivan e quem sabe extinguir a guerra.
           - Majestade! Majestade! - anunciou-se um menino franzino - Notícias do Exército Real!
          - Reporte!
         - O Exército Real liderado pelo Rei encontrou-se com o Exército Real do Fogo! 
          - Mande reforços! - ordenou Amélia - E peça ajuda para o País da Terra!

           O coração de Amélia ficou aflito durante uma semana. Todos os dias recebia as notícias do front enquanto fazia malabarismos para entreter a filha e governar o Reino. E, num dia, que chovia incessantemente, as Tropas Reais chegavam cansadas.
          - Vitória, Vossa Majestade! - informou Thales - Vencemos!
           Mas seu rosto não transparecia a menor sensação de alegria. Pelo contrário.
          - E Victor, onde está? - perguntou a Rainha, esticando o pescoço para encontrar, entre os soldados algum vestígio do marido.
           - Lamento Vossa Majestade, lamento! - sussurrou Thales, oferecendo à Rainha o pergaminho preto, que só tinha um significado.
           - Não, não isso não é possível, Thales. Com certeza houve um engano e... - a Rainha paralisou ao ver o cortejo trazendo o corpo do Rei, morto.
           
           A guerra cessou entre o período de morte de Victor. Amélia encontrava-se em estado de choque e evitava até mesmo ver a pequena Agatha, não queria revelar-lhe que o pai fora morto pela espada de Ivan, o Imperador do Fogo. De agora em diante, não haveria ninguém por elas, teria de ser forte o suficiente para governar o Reino e ainda ser mãe. 
           O corpo de Victor foi enterrado no mausoléu da família. Amélia morreu junto a ele naquele dia. Nascera outra pessoa, uma Rainha de verdade.